Através de meus graves erros — que um dia eu talvez os possa mencionar sem me vangloriar deles — é que cheguei a poder amar. Até esta glorificação: eu amo o Nada. A consciência de minha permanente queda me leva ao amor do Nada. E desta queda é que começo a fazer minha vida. Com pedras ruins levanto o horror, e com horror eu amo. Não sei o que fazer de mim, já nascida, senão isto: Tu, Deus, que eu amo como quem cai no nada.
Dobrou-se sobre ela puxou-lhe fogo Escancarou-lhe os olhos puxou-lhe fogo Cerziu-se-lhe no peito puxou-lhe fogo Tirou-lhe pó de cima puxou-lhe fogo Sentiu-se tão pesado puxou-lhe fogo Cobriu-a de ar; destapou-lhe a carne; mordeu.
Era fim de tarde depressa era comprido Verteu palavras tenras até já não ter voz Chorou, soletrou-lhe o corpo membro a membro E foi no soalho a solidão de a desventrar Tremeu tremeu puxou-lhe fogo
já agora deixo-te a questão: se ninguém nos pode conhecer pelos nossos "fragmentos", será que alguém nos pode conhecer completamente pelo acesso ao "todo", sem conhecimento desses fragmentos? ;)
O mail habitual deste blog passa a ser, de novo, mareehaute@sapo.pt, tal como já (re)actualizado ao lado.
publicado por vague às 29.1.080 comments
Albert Finney
Albert Finney, muitos anos, rugas e kilos depois da fotografia acima, interpreta Winston Churchill, em O homem que mudou o mundo, baseado na vida de Churchill). Uma interpretação de um senhor actor. O filme? Uma pequena lição de História. A idade? Uma coisa que as rugas trazem...
De tentar ver todos os lados eu fico tonta e com o coração a milhas não devia falar. Devia só no tempo de sombra e madrugar sair de casa, cortar a eito os dias cinzentos.
Gosto de ti como se gosta do sol, e era bom ficar ao sol todo o dia, mas queima. Muitos outros se deitam ao sol, toda a espécie de corpos, não tens tamanho para tanta gente. Um dia vai-se abrir a porta doirada, vamos caber, um a um. Vais-me escolher especialmente, como todos os outros. Podes ter mãos. Podias até, alguma vez, ter lábios, dizer alguma coisa em língua, numa língua qualquer. Naturalmente, a imaginação poética é só devaneio, tilintar de talheres sem nada para comer, um ar tão leve, para que serve respirar? Para esquecer, escrevo um longo romance verdadeiro e pícaro; tudo nele é real!, as pessoas dormem e acordam e dormem, e fodem nos intervalos; devoram-se animais; mas o melhor são os diálogos. Entre existires e não existires antes não existires, é mais inteiro, deixa menos dúvidas dentro do crânio, ao lado dos ossos normais. Entre mulher e homem o melhor é não teres mesmo por onde escolher, vestir saia-casaco ou fato completo, usar até, em dias de festa, as tuas peles virtuais.
Mesmo que eu colocasse aqui, hipoteticamente, a imagem dos olhos e da boca que me couberam pertencer, a fragmentação iludiria a verdade, e sendo a verdade ela própria uma ilusão (as fotos teriam sido tiradas com um objectivo), quem poderia ver nelas alguma coisa de mim? O mesmo se aplica à escrita. Não sei se sou eu que escrevo, se a personagem que interpreto e que é ela também real. Quem pensar que me conhece por aquilo que escrevo aqui, desengane-se porque, tal como nas fotografias que se tiram, isto é apenas uma fragmentação do real, com verdades e mentiras inventadas e inconscientes exercícios catárticos.
fico admirado quando alguém, por acaso e quase sempre sem motivo, me diz que não sabe o que é o amor. eu sei exactamente o que é o amor. o amor é saber que existe uma parte de nós que deixou de nos pertencer. o amor é saber que vamos perdoar tudo a essa parte de nós que não é nossa. o amor é sermos fracos. o amor é ter medo e querer morrer. José Luis Peixoto aqui
não foi uma ideia magnífica. ontem à noite estava cansada mas com a adrenalina da semana. vai daí ponho um cd de meditação no carro e sigo os passos de ralaxamento enquanto conduzo rumo a jantar com amigos. 10 minutos depois o que me apetece é encostar o carro, pôr um dístico a dizer favor não buzinar criatura em descanso, e fazer uma sesta. mas não podia ser ou atrasava-me. saí num posto de combustíveis e fui tomar um café.
post doméstico que vai contra os meus princípios de reserva da vida privada. protesto!
ontem finalmente inscrevi-me. há anos que não vou ao ginásio (o que se prende com questões de ordem logística; é uma questão de acesso, não posso levar o carro, tenho que atravessar a rua a pé; é que fica mesmo em frente da minha casa). na verdade, minto. uma vez em cada 3 meses e meio (para aí...) compro uma aula e lá vou eu em penitência. naturalmente isto acarretou consequências que não se pode dizer que fossem excelentes para as minhas, digamos...formas. a minha família, apologista do exercício físico, exultou. uns fazem longas caminhadas, outros natação, ténis, atletismo, enfim, um exagero. o meu pai, que faz hoje natação duas vezes por semana, fez atletismo durante muitos anos, acompanhando-o eu em adolescente para apoio logístico em alturas de meias-maratonas (tipo levar a máquina fotográfica). até a minha sobrinha tem ginástica no colégio. e eu sou a ovelha negra. (dêem-me 3 meses e eu era, era!).
Goldfish (detail) Gustav Klimt
publicado por vague às 21.1.085 comments
domingo, janeiro 20, 2008
Alguém ousa responder ao desafio?
"Em tod'o caso esta discussão parece-me incipiente pois assenta em bases pouco axiomatizadas. Por favor defina 'amizade'; defina 'amor'; defina 'relacionamento' (esta palavra não parece ser portuguesa); defina 'amigo'; defina 'amigo-apenas-amigo'. "
... por isso te digo que vou levar-te o mar na concha das minhas mãos, azulíssimo, para que nele descubras o meu nome entre os seixos os búzios os rostos que já tive.
De repente o sentido equaciona-se. De repente as proporções redimensionam-se. De repente sinto os olhos húmidos da dor de outros. Porque um dia. Porque sou um pouco humana e sensível. Porque podia ser eu ou qualquer um. Escrevi há uns meses isto que é quase uma cartilha para a vida, pelo menos para a minha: Penso nas bençãos que tenho, nas que perdi, nos ganhos e perdas do passado e presente e também nos do futuro que a seu tempo virão e nada tenho a declarar a não ser que os momentos de perda foram de uma forma parodoxal pontes e condições para o que ganhei, e isso pode ser tão simplesmente a completa consciência da impermanência das coisas. publicado por vague às 19.1.083 comments
vague apresenta o estranho caso do rapaz q se queixava q as amigas só o viam como um irmão qdo ele desejava mais q um seio fraternal
Talvez a forma como me expressei no post anterior ao não situar a conversa levasse a que I was misunderstood, quando o que eu (Lhe) peço é Oh Lord don't let me be misunderstood.
Ouvia um dos programas de rádio que mais me fazem rir e pensar e com um dos melhores comunicadores portugueses (Olá Alvim) - a Prova Oral, da Antena 3, das 19 às 20h.
Apanhei-o a meio (ao programa, não ao Alvim [ok, é básica esta]) e do lado de lá do telefone um rapaz queixava-se que as amigas lhe diziam que ele era o rapaz ideal ou algo assim e que o viam como o melhor amigo, o ombro sempre presente e tal. Resultado: isto tudo era muito reconfortante para ele, mas do que ele queria, nada (E o que ele queria era uma rapariga prendada com quem conviver socialmente, assunto sério).
E eu pus-me a pensar, às vezes penso qb e pensei pensei pensei e, resultado: escrevi sem pensar ao que parece pois lendo muito de fora dá a ideia de que penso de que se escolhe um amigo ou um amor! Nada disso. Eu parti da situação concreta do rapaz referido e extrapolei, iniciando o meu texto pelo ponto de partida que já tinha sido dado.
Eu sou clara, serei? mas não sou linear o que me traz a famosa incompreensão alheia que, dizem os sábios, é um bom caminho para a eternidade.
publicado por vague às 19.1.089 comments
sexta-feira, janeiro 18, 2008
It!
Pergunto-me se a amizade intensa e muito comprensiva des-erotiza um relacionamento. Ontem na Prova Oral, da Antena 3, falou-se em amizades e amores e n'os melhores amigos. Talvez o meu melhor amigo não possa ser o meu amante (e friso amante porque quero tirar a carga mais pesada e clandestina que a palavra pode ter; amante, palavra bonita, é aquele que ama, que é amado). Talvez os amores entre amantes precisem de um não excesso de compreensão pois este excesso compromete a tensão sexual. Tem de haver uma certa luta, um certo confronto homem/mulher, macho-fêmea, um certo it!
publicado por vague às 18.1.0813 comments
Na selva dos meus órgãos, sobre a qual foi desde sempre a pele o firmamento, ao coração coube o papel de rei da criação. Ignoro de que peça é todo este meu corpo a encenação perversa, onde se vê o sangue rebentar contra os rochedos. Do inferno, aonde às vezes o sol vai buscar as chamas, sobre ele impediosamente jorram os projectores.
O filme é deliciosíssimo! Comecei a vê-lo de manhã cedo, antes de ir trabalhar e vi mais um pouco à hora do almoço. Não mentirei se disser que foi uma das razões para vir almoçar a casa, num almoço prolongado q.b. Delicioso!
Uma regra minha (que como todas as outras é quebrada) é não ver de seguida dois filmes do mesmo género. Hoje caiu-me no chá (e nas torradas) a comédia que se segue. Por isso,
Hoje prefiro chá e torradas, uma coisa leve para desanuviar do pesado Fausto 5.0. Gostei de o ter visto. Mas é um filme muito estranho. Não o desejo rever...
Este tipo de música e esta Língua me encantam. Depois de Cuba, com Compay Segundo e Ibrahim Ferrer, passo para o México, na voz maior de Chavela Vargas.
Ninguém existiu nele: por detrás do seu rosto (que mesmo através das más pinturas da época não se parecia com nenhum outro) e das suas palavras, que eram copiosas, fantásticas e agitadas, não havia mais que um pouco de frio, um sonho não sonhado por alguém.
é óptimo para mim poder ir a algum espaço nocturno e não vir para casa a tresandar a fumo; É bom poder começar a almoçar sem sentir no paladar o cigarro do fim da refeição vizinha.
Saúdo uma lei que me reconhece o direito a não ser prejudicada na minha saúde e bem-estar pelos cigarros alheios.
Ninguém persegue os fumadores; alguns vitimizam-se, o que acho pateta (então e os não-fumadores durante a era pré-regulação?...) mas muitos outros, e para agradável surpresa minha, aceitam bem esta lei.
Não me chateiem que eu também não chateio ninguém, excepto na fase spm, mas isso não conta, pois não?
publicado por vague às 12.1.089 comments
Post doméstico-feminino
Acabei de arrancar metade de uma unha à dentada (não, não roo as uunhas nem me auto-mutilo; foi mesmo um bocadinho de pele que estava a pedi-las) pelo que a minha dúvida sobre se iria hoje à manicura ou não acabou de desaparecer.
Tendo sido apanhada pela minha mãe com a boca na botija e tendo o enredo subsequente sido dramático o suficiente para obrigar a minha irmã a pedir asilo no quarto ao lado, devido ao "ar irrespirável" (sic) no nosso quarto comum, (como pudeste fazer isto, vague maria? é isso que andas a fazer na escola?, said mummy), não tive outra alternativa a bem da minha saúde mental senão deixar de fumar. Tinha 14 anos e já tomava atitudes acertadas.
(E agora apetecia-me qualquer coisa mas não sei o quê)
publicado por vague às 11.1.089 comments
também estou farta de cartões, pontos, sorteios, fidelizações, 5% de desconto se. tenho a carteira disforme de tanto cartão que me diz para ir a esta e aquela loja e eu engano-me a mim mesma dizendo que vou porque quero. um dia destes deito todos os cartões fora e parto em busca da origem das coisas. as coisas como elas são.
publicado por vague às 10.1.084 comments
A história é encontrada em Génesis 11:1-9: 1 Em toda a Terra, havia somente uma língua, e empregavam-se as mesmas palavras. 2 Emigrando do Oriente, os homens encontraram uma planície na terra de Chinear e nela se fixaram. 3 Disseram uns para os outros: «Vamos fazer tijolos, e cozamo-los ao fogo.» Utilizaram o tijolo em vez da pedra, e o betume serviu-lhes de argamassa. 4 Depois disseram: «Vamos construir uma cidade e uma torre, cujo cimo atinja os céus. Assim, havemos de tornar-os famosos para evitar que nos dispersemos por toda a superfície da terra.»5 O SENHOR, porém, desceu, a fim de ver a cidade e a torre que os homens estavam a edificar. 6 E o SENHOR disse: «Eles constituem apenas um povo e falam uma única língua. Se principiaram desta maneira, coisa nenhuma os impedirá, de futuro, de realizarem todos os seus projectos. 7 Vamos, pois, descer e confundir de tal modo a linguagem deles que não consigam compreender-se uns aos outros.»8E o SENHOR dispersou-os dali por toda a superfície da Terra, e suspenderam a construção da cidade. 9 Por isso, lhe foi dado o nome de Babel, visto ter sido lá que o SENHOR confundiu a linguagem de todos os habitantes da Terra, e foi também dali que o SENHOR os dispersou por toda a Terra.
*Lutei toda a minha vida contra a tendência ao devaneio, sempre sem jamais deixar que ele me levasse até às últimas águas. Mas o esforço de nadar contra a doce corrente tira parte de minha força vital. E se, lutando contra o devaneio, ganho no domínio da acção, perco interiormente uma coisa muito suave de se ser e que nada substitui. Mas um dia ainda hei de ir, sem me importar para onde o ir me levará.
A novela continua. Eu, que não simpatizo particularmente com o sr. Paulo Pedroso, sim, virá daí a opinião negativa que tenho dele e não da leitura da Acusação do M.P. que o António Caldeira facultou no seu blog.
Paulo Pedroso avançou com um processo contra o Estado por prisão ilegal e erro grosseiro na apreciação dos pressupostos dos quais depende a prisão preventiva . Ora bem, num processo-crime, antes da eventual condenação ou absolvição, exista a presunção de inocência até ao fim. Entretanto o processo contra Paulo Pedroso teve o seu fim, que culminou como todos sabemos e que o meu lado demagógico diz que era previsível.
Paulo Pedroso está a levar este caso até mais um fim, ao avançar com esta queixa, legítima, diga-se. No entanto, este circo não me faz esquecer nem a todos os realmente interessados na Justiça e sem costas quentes, não me faz esquecer a dita Acusação, que é, como sabemos, baseada em toda a investigação que foi feita, nos depoimentos dos queixosos, nos relatórios dos pedopsiquiatras, nas testemunhas. Certo: se foi absolvido, foi absolvido, foi absolvido. E não interessa se foi por convicção da sua culpabilidade se por dúvidas da sua culpabilidade. Não me interpretem mal. Concordo que na dúvida se deve absolver, é um dos princípios do nosso Estado de Direito que não ponho em causa. A minha opinião é eivada de uma forte carga pessoal e de senso comum, mais que da frieza da Justiça.
Chocou-me deveras que no dia da libertação de Paulo Pedroso ele fosse quase recebido em ombros na Assembleia da República, baluarte da nossa democracia.
Confesso que hoje, e tristemente, já não posso dizer que me sinta chocada com as decisões da Justiça.
publicado por vague às 6.1.088 comments
e lá fui, depois de jantar, ao supermercado (com fome não se deve ir fazer compras) um dia banal, compras, carro, estacionar, chuva mas o que eu imaginei ver ou vi mesmo foi
cheguei ao ponto de ter ao mesmo tempo, hoje, 3 pc's bloqueados, uma impressora encravada e outra sem combustível e eu ali no meio a olhar e a deixar cair os papéis para o ar. que não caem logo no chão. que antes de cair ao chão esvoaçam e caem inertes, não sendo a inércia de tal modo forte que não dê para se esconderem atrás de um móvel que vou ter de arredar. entretanto os três pc's autorizaram-me a trabalhar na alma deles. um dos pc's tem o assunto resolvido, afinal a culpa era do rato. uma das impressoras, a encravada, milagrosamente desencravou e a outra permitiu-se trabalhar mais um pouco. terá sido uma nuvem que passou por aqui? ... e agora lembro-me do primeiro poema que a minha mãe me ensinou:
ai meu Deus. hoje é o meu dia-não para máquinas, televisões, faxes, fotopiadoras e computadores. confesso. que eu sou um bocado desastrada. cabeça na lua, pés no chão ou a tropeçar numa pedra lunar, queda, calças esfoladas, joelhos com nódoas negras. às vezes deixo cair coisas. parecem adquirir uma certa intimidação na minha presença e desfalecem. tal o meu poder sobre as coisas terrestres. e sobre as coisas da lua.
Eu vos agradeço, Deus, principalmente por este dia incrível: pelos saltitantes espíritos esverdeados das árvores e um verdadeiro sonho de céu azul; e por tudo o que é natural o que é infinito o que é sim.
(eu que morri estou vivo de novo hoje, este é o aniversário dos sóis; esta é a data de nascimento da vida e do amor e das asas: e do alegre grande acontecimento que é sem dúvida a terra)
como o paladar o toque da audição e visão o respirar do - elevado do nada de todo o nada - meramente ser humano pode duvidar do inimaginável Vós?
(agora os ouvidos de meus ouvidos acordam e agora os olhos de meus olhos se abrem)
O ano novo não me apanhou parada à espera, com doze passas numa mão e um copo de espumante na outra. Atravessei-o eu, caminhando em direcção ao metafórico futuro, na rua, de saída de casa de uns amigos e dirigindo-me a casa de outros. Foi então que ele me surpreendeu, efusivo no meio da rua fria e de pessoas às janelas desejando às duas únicas pessoas que caminhavam na rua um ano bom enquanto à volta os fogos de artifício e o barulho dos tachos compunham a banda sonora mágica. Abracei a minha amiga. Isto só pode significar um ano de viragem para esse tal futuro imaginário, disse ela, enquanto erguíamos os copos inexistentes. À nossa!